Jeovani Salomão* – Depois de uma passagem de três anos pelo serviço público, de onde pedi exoneração apesar de ser concursado, e uma primeira tentativa de empreender, ingressei em uma grande empresa de tecnologia de Brasília que, tempos depois, chegou a faturar 1 bilhão por ano.
Fui admitido para a área comercial, mas com o rápido crescimento do negócio, em pouco mais de seis meses, fui promovido para gerenciar os contratos de terceirização. De uma hora para outra, assumi minha primeira posição de liderança, responsável por 400 pessoas que, ao longo da minha jornada na função, tornaram-se mais de 4 mil.
Mesmo com meu jeito despojado, comecei a receber tratamento diferenciado. Por um lado, eu me sentia absolutamente comprometido com o resultado da empresa, sabendo que cuidar dos colaboradores era vital para o sucesso. Foco na estratégia e foco no ser humano. Esse cuidar relacionava-se, no meu pensamento, com o estabelecimento de políticas adequadas, com um padrão de tratamento digno, justo e igualitário, que oportunizasse um ambiente saudável, bom clima organizacional e possibilidades de crescimento tanto no plano individual, quanto profissional. Evidentemente, sempre estive atento para casos particulares, quando situações especiais, de emergência, surgiam.
Por outro, era sempre puxado para questões operacionais. Pequenos eventos do dia a dia. Episódios que deviam se resolver naturalmente. Aplicações óbvias das rotinas estabelecidas. Foi quando descobri o quão era presente o que nominei de: “Exercício dos pequenos poderes”. A prática extrapolava a organização que eu trabalhava. Analisei outras tantas, públicas e privadas, e para minha infeliz surpresa, talvez por ingenuidade, percebi que a ocorrência era corriqueira.
Para meu descontentamento, conclui que o tratamento diferenciado que recebia se devia, em sua maior parte, porque o meu cargo permitia que eu exercesse tais poderes. Tinha a ilusão que minha dedicação aos princípios de liderança, meu compromisso com a estratégia e com as políticas é que importavam. É bem verdade, que com o passar do tempo, seja na própria empresa citada, seja na Memora, da qual sou um dos fundadores, estes aspectos prevaleceram em detrimento daqueles derivados do exercício dos pequenos poderes.
Em síntese, exercer pequenos poderes significa atribuir importância e criar um ambiente decisório em aspectos menores, pouco ou nada relacionados com o que realmente deveria importar. Decidir sobre pedidos de férias em períodos equivalentes, rigidez nos horários de trabalho para pessoas que não precisam ter horário de trabalho, quem pode ou não se utilizar dos recursos triviais da organização, liberar acesso a documentos, relatórios e informações que já são de circulação pública, enfim, mecanismos de controle das pequenezas. Faz-me lembrar, dos tempos de escola, da figura do bedel.
Como esses detalhes afetam a vida cotidiana de quem trabalha, quem detém decisão sobre eles ganha poder. O termo criar dificuldade para vender facilidade se aplica perfeitamente, sendo que o pagamento, nesse caso, é um empoderamento indevido. Ocorre que essas miudezas apenas atrapalham o desempenho organizacional e, pior, fazem com que os colaboradores se submetam a um tratamento infantil.
A resposta para esse problema é o estabelecimento claro de um propósito corporativo. Sem entrar no debate teórico entre visão, missão e propósito, o mais importante é que os colaboradores saibam para que e porque a empresa existe e qual a motivação para que ela se movimente. Essa inspiração deve ser compartilhada e parte indissociável da vida organizacional.
Ainda há grande confusão, algum desconhecimento e até um certo preconceito, em relação a importância do lucro e sua relação com o propósito. O lucro é indispensável para qualquer estabelecimento comercial, mas não deve ser, jamais, o objetivo primordial. Pense comigo, você precisa de ar. Se você não respirar, você morre. Entretanto, duvido que você desperte pela manhã e pense: “Hoje acordei entusiasmado para respirar!”. Respirar, assim como lucrar, é essencial, mas apenas um propósito nobre faz você viver com energia.
O papel da tecnologia é central nessa questão, uma vez que os colaboradores estão cada vez mais digitais, principalmente os mais jovens. Dois aspectos merecem destaque. O primeiro, o do engajamento. Redes sociais, plataformas de mensageria – como WhatsApp, Telegram, Rocket-Chat e In -mail (as duas últimas brasileiras) – e uso de gamificação são poderosos instrumentos para disseminar a cultura, compartilhar experiências, criar convergências. Divulgar as boas práticas, ações sociais, valores e ambiência organizacional cria no colaborador um senso de pertencimento e orgulho.
Recomendo a leitura Decisões Racionais – uma análise sobre a curva da tecnologia
O segundo aspecto diz respeito aos processos corporativos. É evidente que, antes do uso da tecnologia, é necessário empoderar as pessoas. Trate cada indivíduo como um adulto responsável e comprometido. Férias? Utilize um chat-bot. Ressarcimento de despesas? Use o aplicativo que tira foto das notas fiscais e encaminhe digitalmente. Passagem, hospedagem, deslocamentos? Faça você mesmo, as plataformas digitais estão disponíveis, dentro do orçamento que você possui. Otimize e automatize seus procedimentos.
Como respirar, o cotidiano empresarial deve ser simples, automático e eficiente. O foco do colaborador deve estar no propósito e na estratégia definida para atingi-lo. Em nenhum momento da história as organizações comerciais desempenharam um papel tão significativo na sociedade e, particularmente, nas bilhões de pessoas associadas. A maioria, inclusive, passa a maior parte das suas horas dedicadas a elas.
Assim, o funcionamento empresarial define, em parte, a qualidade de vida do indivíduo. Por isso, não deveria mais haver espaços para os protagonistas de regras irrelevantes, que favorecem, exclusivamente, aos próprios. A digitalização abrupta que ocorreu em virtude da COVID-19 criou um ambiente repleto de oportunidades para mais mudanças, use isso a seu favor e em prol da sua organização. Seja proativo no repensar daquilo que realmente importa. E que as pequenezas fiquem para os pequenos.
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*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.