No livro, O Homem que Calculava, de Malba Tahan – pseudônimo do matemático brasileiro Julio César de Melo e Souza, cujas contribuições para a divulgação da matemática merecem louros até o infinito, conta-se uma lenda da invenção do xadrez. Um monarca indiano, após derrotar invasores inimigos, em uma batalha que tirou a vida do filho, encontrava-se inconsolável. Um súdito, após longa viagem, o presentou com um jogo que, ao simular a guerra, permitiu ao rei extravasar seus sentimentos e aliviar a imensa perda.
O regente, extasiado com a novidade, ofereceu ao criador a possibilidade de escolha de uma recompensa. Ao invés de castelos, ouro ou terras, o humilde servo, no entanto, pediu o pagamento em trigo. Um único grão para o primeiro quadrado, dois para o segundo, quatro para o terceiro, oito para o quarto, e assim sucessivamente, dobrando a cada uma das 64 casas do tabuleiro de xadrez. Os conselheiros da corte, prontamente, incentivaram sua majestade a conceder tão singelo pedido. O monarca, então, chamou os calculistas do palácio para que o desejo do jovem solicitante fosse imediatamente atendido.
O pensamento humano, desde os primórdios, tem grande familiaridade com o linear. Calcular o número de frutas em uma árvore, identificar a presa e sua velocidade para o abate, comparar a quantidade de pessoas em encontros de tribos distintas, conhecer a distância até o rio. As variações desses números, quando ocorrem, são gradativas e facilmente assimiláveis. Esse comportamento ancestral colocou o sultão e seus vizires em uma situação inusitada. Apesar do combinado, não puderam cumprir a promessa efetuada.
Dobrar a cada movimento no tabuleiro leva a um número estonteante: 1,8 x 1019. Para transportar essa colheita, seriam necessários 92 bilhões de aviões com capacidade de 200 toneladas!
Quando o crescimento exponencial ocorre nas histórias, apenas atina nossa curiosidade, mas com a tecnologia (ou com os vírus!) ele se faz presente em nosso dia a dia e pode provocar modificações substantivas. Em 1965, Gordon Moore, cofundador da Intel, criou uma lei que carrega seu nome, segundo a qual, a cada 18 meses, o poder computacional dos processadores iria dobrar. Com isso, a capacidade do computador de orientação da Apollo 11, que em 1969 levou a humanidade até a lua, hoje é facilmente superada pela capacidade de processamento de um carregador de celular, segundo Forrest Heler da Apple. Se compararmos a capacidade computacional inteira da NASA naquele período com os dias de hoje, certamente os cientistas teriam optado por controlar a missão em “home office”!
Vejam como exemplo o Zoom, plataforma de reuniões on-line, cuja utilização disparou com a COVID-19. Suas ações já valem mais de 38 bilhões de dólares, valor superior as 7 maiores companhias aéreas somadas.
E por falar em viagens, as de carro, antigamente, eram precedidas de um estudo minucioso de mapas em papel, para ajudar a definir as melhores rotas. Com o surgimento do GPS, esse problema terminou, de forma que os antigos “Guia 4 rodas”, antes indispensáveis, hoje devem ser relíquias de colecionadores. Ocorre que o GPS físico terá o mesmo destino dos mapas em papel. Com a criação do Google Maps e do Waze, esse serviço passou a ser oferecido virtualmente, podendo ser acessado de qualquer dispositivo móvel. Segundo a Google, há mais de 1 bilhão de acessos por mês nessas plataformas.
Da mesma forma, sumiram os discos de vinil, as máquinas fotográficas, as fitas e as locadoras de vídeo, os CDs, os disquetes, os fax. Estão sumindo as livrarias, os relógios de ponteiro, os pagamentos em espécie, os processos em papel, os telefones fixos. Sem contar com as inúmeras profissões ameaçadas. O que é repetitivo e operacional, ou já está ou será feito melhor pelas máquinas do que por nós.
Novas ondas de tecnologia estão por vir e, além de terem desenvolvimento exponencial, podem chegar rapidamente e de forma simultânea. Sem querer ser exaustivo, faço uma pequena lista de inovações que podem mudar sua rotina dentro de um horizonte próximo.
- Nano-robôs aplicados a medicina vão penetrar no corpo humano para combater infecções, eliminar vírus e bactérias, desobstruir artérias, matar células cancerígenas e até alterar código genético;
- Drones para entregas prevalecerão sobre qualquer outro tipo de logística. Se o confinamento atual ocorresse daqui a 10 anos, você receberia suas encomendas quase exclusivamente assim;
- Carros autônomos serão mais comuns que aqueles dirigidos por humanos. Estamos falando também de transportes coletivos e de cargas;
- Roupas especiais vão inicialmente ser utilizadas para monitorar o seu corpo (temperatura, batimentos cardíacos, nível de oxigênio e açúcar no sangue, pressão sanguínea) e transmitir essas informações para seu médico. Em seguida, serão confeccionadas com polímeros em gel para aumentar sua força e resistência;
- Impressoras 3D serão usadas para construir casas, permitir que você faça seus próprios móveis e até na criação de órgãos humanos para transplante;
- Próteses vão evoluir de forma a interagir com seu sistema nervoso central de maneira tão natural que serão incorporadas à sua biologia para melhorar ou recuperar características físicas;
- Realidade virtual será aplicada para diversas áreas como educação, saúde e turismo de um jeito tão sofisticado que vai se confundir com a própria realidade.
A lista é bem mais ampla e envolve, ainda, meios de pagamento, clones virtuais, energias renováveis e um pouquinho mais à frente, viagens especiais. Não obstante, a mais disruptiva das tecnologias, que pode provocar mudanças imprevisíveis, é a Inteligência Artificial – IA. É evidente que ela está inserida em muitos dos potenciais avanços já mencionados, a despeito disso, o maior poder de transformação ocorrerá quando dispositivos providos de IA estiverem criando outros dispositivos de IA.
Se você acredita que esta é uma realidade distante, vale conferir o caso do Facebook que desenvolveu experimentalmente dois bots para negociarem entre si. No entanto, decidiu encerrar a pesquisa quando detectou que os robôs estavam se comunicando com uma linguagem criada por eles mesmos.
Felizmente, nós, seres humanos, somos capazes de nos adaptar ao novo. Ao invés de nos acomodarmos no pensamento de que a invasão tecnológica exponencial é assunto de ficção, devemos fazer um esforço consciente para conhecer, debater e influenciar o futuro. Como disse Jeff Bezos, criador da Amazon: “O que é perigoso é não evoluir”.
* Jeovani Salomão é um dos fundadores da Memora Processos Inovadores e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.