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Você está se acostumando de forma imperceptível

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Tenho duas cadelas, uma das quais, da raça Golden, odeia fogos de artifício. Ela se assusta, fica amedrontada, tenta se esconder e fugir do barulho. A virada do ano e as festas de São João são bastante desagradáveis para ela.  No dia 31, fui até à farmácia para comprar um remédio para acalmá-la. Quando cheguei, dois clientes já estavam no estabelecimento e a cena me pareceu cômica. Três compras exatamente iguais: Dramin e Engov.

No ato de pagar, no entanto, as diferenças de hábitos entre nós ficou marcante. A primeira cliente pagou de maneira razoavelmente rápida, o segundo demorou uma eternidade. Inseriu o CPF, questionou o caixa sobre minúcias irrelevantes, esperou sua via do cartão, pediu um saquinho plástico e pegou sua Nota Fiscal. Improváveis dois minutos para uma operação tão simples. Paguei em 10 segundos. Cartão por aproximação, não precisei digitar a senha porque o valor era abaixo do limite, sem CPF, sem saquinho, sem nota fiscal (essa é emitida de qualquer forma, digo isso porque sou defensor do pagamento correto dos impostos devidos).

Observe-se que o tempo para pagar, de forma alguma, foi impactado pela tecnologia. Nos utilizamos com tanta frequência dos cartões, que já paramos de pensar o que ocorre na transação. Em resumo, uma operação simplificada de pagamento com cartão possui pelo menos cinco atores: o cliente, a loja, o adquirente, a bandeira e a emissora. Para quem desconhece a terminologia, a adquirente é quem administra a maquininha e faz a liquidação da operação (Cielo, Rede, Getnet, etc.), a bandeira (Visa, Mastercard, Elo, etc.) faz a intermediação da operação e a definição de prazos, limites e regras do cartão. A emissora, em geral, é o seu banco.

Segundo a ADIQ, que divulgou a informação em seu site (www.adiq.com.br), o fluxo da operação é o seguinte:

  • O usuário insere seus dados no site da loja virtual, ou passa seu cartão na maquininha do estabelecimento.
  • Os dados são transmitidos para a adquirente que repassa as informações para a bandeira.
  • A bandeira determina o emissor do cartão para liberação do pagamento. O emissor pode ser um banco ou outra instituição financeira.
  • O banco emissor confere os dados do cliente e aprova (ou não) o pagamento, informando à bandeira.
  • A bandeira comunica a aprovação do pagamento ao adquirente.
  • O adquirente, por sua vez, envia a aprovação de pagamento ao estabelecimento ou loja virtual.
  • A venda é realizada e o cliente recebe um comprovante da transação.

Isso tudo é feito em um tempo praticamente imperceptível. Algumas das etapas em milissegundos. Ressalte-se que esse é um processo simplificado, podem existir outros protagonistas e mais passos, a depender da transação. Estamos lidando com muita tecnologia, alta capacidade de processamento, algoritmos  otimizados, integração de ambientes, linguagens de programação e equipamentos heterogêneos,  redes de alta velocidades e inúmeros dispositivos de segurança que se iniciam com o chip do seu próprio cartão.

Este é apenas um exemplo de como a tecnologia está se inserindo no dia a dia, de maneira gradativa e silenciosa. Você está se acostumando de forma imperceptível. É como ver um filho crescer, você olha para ele todos os dias, mas não consegue descobrir o quão grande ele está, até que você compara com fotos de 5 ou 10 anos atrás.

Parece normal que você faça uma ligação para qualquer lugar do mundo sem depender de uma operadora. Basta ter uma conexão WiFi e um aplicativo qualquer como WhatsApp, Facetime,  Telegram, Google Meet ou Zoom. Você não vai pagar nada por isso. Essa geração não vai compreender a dificuldade e os custos de quem queria falar com o exterior no século passado.

O que acontece em qualquer lugar do mundo, mesmo com uma relevância mínima, está rapidamente nos sites de notícia. A informação é instantânea. Qualidade, profundidade, análise ficaram para uma outra época, o que importa agora é velocidade. Os noticiários da televisão aberta, os jornais e as revistas semanais já não conseguem praticamente nenhum “furo”. A Internet entrega a notícia muito mais rapidamente. Mudanças significativas, fruto da mobilidade  e da hiperconectividade, que já parecem normais.

E assim caminhará o ingresso da tecnologia, sob uma perspectiva histórica, muito rapidamente. Um quadro comparativo feito de 10 em 10 anos dos últimos 50 anos, vai mostrar evoluções gigantescas, maiores que quadros de 100 em 100 anos dos 500 anos anteriores. Mas nós, seres humanos, vivemos segundo a segundo. E assim vamos recebendo e incorporando as mudanças sem nem perceber. O lado positivo é que a tecnologia nos traz grandes benefícios, o negativo é que não estamos refletindo individualmente sobre os avanços e, muito menos, fazendo avaliações coletivas.

O ano de 2021 chega repleto de esperanças, com a perspectiva de superarmos a pandemia que assolou o mundo em 2020. Os legados para o futuro serão marcantes, mas minha esperança é que o destaque não seja para a virtualização, desmaterialização, digitalização e assemelhados. Nem mesmo para a vacina ou outras técnicas de combate ao vírus. Que a nossa maior conquista, enquanto humanidade, seja a mudança das dinâmicas sociais, a aproximação da família, a ampliação da solidariedade e a percepção da necessidade de sermos mais colaborativos.

 

Por Jeovani Salomão, um dos fundadores da Memora Processos Inovadores

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